Visita à associação dos catadores - entrevista

Por Lucineli Pikcius.

Poderíamos julgar os oprimidos do sistema, aqueles que já não têm mais esperanças e dignidade? Tabelar, encaixar num modelo pré-determinado? Não podemos! É só conhecendo e despindo-se de todas as pré-concepções para entender, por exemplo, por que alguém rouba.

Na Associação de carrinheiros Novo Amanhecer, no bairro Fazendinha, conheci A.O., uma jovem de 21 anos, curitibana, ex moradora de rua. A.O., que concluiu o ensino fundamental, conversou conosco e nos relatou sua trajetória em busca da dignidade.

Aos seis anos de idade A.O. saiu de casa para e virou moradora de rua Segundo a carrinheira, nas ruas ela recebia melhor tratamento que em casa, com seus pais, dos quais não comentou. Nos anos que morou nas ruas, A.O. viveu momentos difíceis, de verdadeira sobrevivência.

Ela assaltava pessoas, e contou certa que vez, policiais militares conseguiram pegá-la, e ela foi brutalmente agredida: “eles me bateram muito, fui parar na UTI, com duas perfurações no pulmão, um braço quebrado e a cara toda roxa”. Essa foi a última vez que A.O. Assaltou. Depois disso conseguia seus meios de subsistência pedindo e procurando no lixo, aliás, era muito comum para A.O. comer comida do lixo.

A.O. conheceu as drogas nas ruas. Usava todas que lhe apareciam, não apenas o crack, mas esse mais intensamente. Os maus tratos nas ruas, o uso excessivo de drogas e a violência debilitaram A.O. e, além disso, ela contraiu HIV, o que a debilitou ainda mais.

Em uma das vezes que precisou ir ao hospital, o médico disse que ela tinha que sair das ruas, pois o limite do seu corpo estava evidentemente ultrapassado. Foi então que A.O. começou a trabalhar na catação de lixos recicláveis. Trabalhou dois anos sozinha e logo se juntou a Associação Novo Amanhecer, dos catadores de papel. Na associação, A.O. conheceu seu atual marido e começou a reconstruir a sua vida.

Hoje A.O. está resgatando sua humanidade, livre das drogas, fazendo os tratamentos devidos e tomando coquetel para HIV. Ela trabalha como carrinheira, gosta do que faz e é com o seu trabalho que, agora, paga o aluguel da casa onde mora.

Hoje, A.O. vive um processo de reconstrução de si mesma, tem planos para o futuro e se sente vitoriosa ao pensar na sua trajetória. Saiu das ruas, não passa mais fome, controla sua saúde, quer ter filhos.

A história dessa moça é um retrato da nossa sociedade capitalista. Para se ter um rico é fundamental a desigualdade, são necessários vários pobres, vários vulneráveis e vários excluídos. E quem são essas pessoas? Até que ponto podemos julgar quem nos assalta? O que essas pessoas passaram e passam para chegar a tal situação? A culpa é delas? Nós sabemos que NÃO, nunca foi. Pessoas, como A.O. são frutos da ambição capitalista, são frutos da tal liberdade burguesa. 

                            Lucineli, do Departamento Comunitário do CASO, e A.O.